Ecomuseu Quilombo Dona Bilina

Acervos do Quilombo Dona Bilina

Apresentação

O Quilombo Dona Bilina possui muitos patrimônios que ainda são vivenciados pela comunidade em seu território. São práticas culturais manifestadas em comportamentos, valores e visões de mundo que conectam as experiências e vivências dos moradores nas suas diferentes temporalidades, e produzem um sentimento de continuidade. O trabalho do Ecomuseu Quilombo Dona Bilina é valorizar esses referenciais identitários, buscando nutrir o sentimento de pertencimento da comunidade frente aos desafios e demandas contemporâneas, reafirmando o enraizamento histórico dos quilombolas.

O presente catálogo tem por objetivo reunir os primeiros levantamentos das referências culturais do Quilombo Dona Bilina realizados no âmbito deste projeto. A metodologia de trabalho adotada seguiu os pressupostos da Museologia Social, do inventário participativo e do Inventário Nacional de Referências Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN). Os nomes das pessoas indicadas, os lugares, as memórias, as práticas sociais e informações aqui disponibilizadas foram indicadas pela comunidade, incentivada através do inventário participativo a identificar e documentar as referências culturais que formam o patrimônio do local, contribuindo para mobilização e sensibilização desta comunidade no que tange às suas memórias, assim como na produção de conhecimentos locais, específicos do grupo – que são identificados, organizados e valorizados. De acordo com o IPHAN, inventário participativo:

Considera a comunidade como protagonista para inventariar, descrever, classificar e definir o que lhe discerne e lhe afeta como patrimônio, numa construção dialógica do conhecimento acerca de seu patrimônio cultural. Alinha, ainda, o tema da preservação do patrimônio cultural ao entendimento de elementos como território, convívio e cidade como possibilidades de constante aprendizado e formação, associando valores como cidadania, participação social e melhoria de qualidade de vida.

Neste sentido, “Nossos Patrimônios”, organizado em Nossas Referências Culturais, Griôs e Narradores e Inventário Etnobotânico, apresenta os patrimônios indicados pela comunidade com base nas categorias de patrimônio imaterial proposta pelo IPHAN (celebrações, formas de expressão, saberes e ofícios: modos de fazer, lugares: edificações e patrimônios naturais, griôs ou os “mais velhos”). Em outras palavras, são os patrimônios que a comunidade deseja preservar na memória, socializando nos seus próprios termos, a sua história. São os moradores que atribuem sentidos e significados sobre o local a partir de suas vivências. Cabe a eles a decisão do que deve ser considerado patrimônio no âmbito do Ecomuseu Quilombo Dona Bilina, pois os patrimônios possuem uma dimensão política que possibilita agenciar essas memórias coletivas e narrativas de acordo com as demandas contemporâneas.

Muitas vezes ouvimos dizer que alguns prédios históricos, que obras de arte feitas por artistas famosos, que os feitos/ações de alguns homens, que pinturas, livros e objetos são patrimônios por serem parte da nossa história e, por este motivo, devemos preservar. De um modo geral, os patrimônios são visitados, expostos, protegidos, recebem apoio do estado, pois são entendidos como especiais, importantes e necessários à memória brasileira.

Durante muitos anos o que era considerado patrimônio eram apenas as histórias, os valores e os hábitos de grupos sociais que comandavam a política e a economia do Brasil. Não havia a preocupação de abrigar outros grupos sociais e outras narrativas que permitissem um olhar mais plural do Brasil. Como resultado dessas escolhas, temos uma leitura incompleta da nossa história, distante de homens e mulheres comuns que, juntos nas suas tradições e práticas diárias, costuram um país diversificado.

Em busca de um novo conceito de patrimônio

Atualmente essa leitura de patrimônio é questionada. Debate-se sobre os silenciamentos e apagamentos da cultura popular e dos conhecimentos afro-indígenas; sobre o olhar colonizador que conceitua nossos patrimônios; sobre os preconceitos e intolerâncias presentes no trabalho de preservação do patrimônio; sobre a presença das mulheres na transmissão e atualização dos patrimônios. Neste sentido, podemos ver que os patrimônios não são verdades absolutas e finalizadas, pelo contrário, referem-se a relações de poder que demarcam o que se deseja rememorar e que história será contada.

Com base nessas mudanças de entendimento e nas novas demandas sociais, considera-se hoje patrimônio um conjunto de referências culturais que se relacionam à diversidade da formação da sociedade brasileira. Grafismos indígenas, rodas de samba, a renda irlandesa, o modo de fazer panela de barro, saberes sobre ervas, dentre outros saberes, representam patrimônios de grupos sociais por muito tempo excluídos da história oficial e que atualmente são respeitados, preservados e divulgados pela forte presença que tiveram na formação nacional.

Os saberes, os conhecimentos, as formas de fazer, os lugares, as crenças, os lugares de referência geográfica e social, os objetos de trabalhos, os produtos (xaropes, garrafadas, chás), as músicas e seus instrumentos, as opções de lazer e eventos festivos, dentre outros, são patrimônios locais pela dimensão relacional, afetiva, cognitiva e coletiva que possuem; por serem próprios do território, definindo-o e o alimentando permanentemente. A importância dos patrimônios não está na sua monumentalidade, excepcionalidade, estética ou matéria prima, mas nos sentidos que a eles são atribuídos, nos seus usos para atuar na valorização da vida humana e na sua (com)vivência (com)partilhada, que dá coesão à comunidade de Dona Bilina.

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